Por David Homsi em parceria com GSSI – GATORADE SPORTS SCIENCE INSTITUTE

Fisioterapeuta David Homsi
Fisioterapia Ortopedia e Reabilitação

W. Larry kenney, Ph.D., FACSM
Professor Physiology and Kinesiology
Pennsylvania State University
University Park, PA

Introdução 

No início de 2004, o Conselho de Alimentação e Nutrição do Instituto de Medicina (Institute of Medicine’s (IOM) Food and Nutrition Board) publicou suas recomendações das DRIs – Ingestão Dietética de Referência (Dietary Reference Intake) para água, potássio, sódio, cloro e sulfato. Para realizar essa admirável tarefa, o IM formou um painel com dez especialistas, presidido pelo médico Lawrence J. Appel, Professor de Medicina, Epidemiologia e Saúde Internacional da John Hopkins University. O painel de especialistas americanos e canadenses teve a tarefa de determinar, sempre que possível, os níveis adequados de ingestão dietética de água, sal e potássio necessários para manter a saúde e reduzir o risco de se desenvolver doenças crônicas.

Em um relatório de 500 páginas, o grupo relata a revisão de dados disponíveis de pesquisa e apresenta informações importantes sobre o estado e necessidades de hidratação do típico adulto sedentário. Com o uso de frases como “a grande maioria das pessoas saudáveis” e “base diária”, o relatório apresenta diretrizes sobre a quantidade de fluidos que deveríamos consumir, revisa os fatores que norteiam a ingestão de líquidos e apresenta recomendações para consumo diário de água, sódio e potássio. Entretanto, para atletas e entusiastas de esportes, algumas dessas recomendações podem ser inadequadas e – levadas ao extremo – podem ser prejudiciais. É importante que o médico da equipe, o preparador físico, o nutricionista especialista em esportes e outros profissionais da saúde interpretem esta informação corretamente.

Atendendo às Necessidades Diárias de Água 

O desafio de se estabelecer diretrizes populacionais claras e precisas sobre a ingestão de nutrientes fica evidente na afirmação encontrada no relatório da DRI: “numa base diária, a ingestão de líquidos movida pela sede e pelo consumo de bebidas às refeições permite que se mantenha o estado da hidratação e da água corporal total em níveis normais” (Instituto de Medicina, 2004, p. S-5). Essa declaração aparentemente simples é, ao mesmo tempo, correta, incorreta e até enganosa. A parte correta da afirmação é que, numa base diária, a maioria dos adultos saudáveis consome uma quantia suficiente de água por meio da ingestão de uma variedade de bebidas (que oferecem aproximadamente 80% das necessidades diárias de líquidos) e de alimentos (que oferecem os 20% restantes) para manter a saúde e as funções fisiológicas adequadas.

A parte incorreta afirma que a sede determina quanto iremos ingerir de líquidos todos os dias. Na verdade, é mais o comportamento, e não a sede, que determina a ingestão diária de líquidos (Phillips et al., 1984). Bebemos quando comemos, quando passamos por um bebedouro ou por perto da geladeira, e bebemos quando há líquidos gostosos e gelados disponíveis, como em festas ou reuniões de modo geral. A relação entre sede e esse tipo de cálculo de ingestão e excreção diária de líquidos é muito pequena. Sentimos sede quando nosso corpo percebe que há uma redução da água corporal (percebido como volemia baixa) ou, mais comumente, que há um aumento na concentração de sódio (percebido principalmente pelas células cerebrais). Portanto, sentimos sede apenas quando nosso corpo está estressado por perdas significativas de líquidos ou por mudanças na concentração de sódio (ambos podem ser alterados pela privação de líquidos, transpiração prolongada, diurese, diarréia e vômitos). Mesmo quando sentimos sede, a sensação não é bem correlacionada com as necessidades corporais de líquidos (Hubbard et al., 1984). Tanto o American College of Sports Medicine (ACSM) como o National Athletic Trainers’ Association (NATA) emitiram comunicados à imprensa logo após a publicação do relatório do IM alertando pessoas fisicamente ativas para que não permitissem “que a sede os guiasse”. De fato, a importante e clara mensagem de saúde deveria apenas dizer que, isoladamente, a sede não é o melhor indicador de desidratação ou da necessidade corporal de líquidos, um fato que é particularmente verdadeiro durante a prática de exercícios.

A parte que pode levar a erros de julgamento ou, no mínimo, que pode ser mal-interpretada é exatamente a que se refera ao significado real de “base diária”. No resumo do relatório do IM, há uma sentença que diz que “dada a extrema variabilidade das necessidades de água, que não são baseadas apenas nas diferenças metabólicas, mas também nas condições ambientais e na atividade, não há um único nível de ingestão de água que garantirá a hidratação adequada e a melhor saúde possível para metade das pessoas aparentemente saudáveis em todo tipo de condição ambiental” (Institudo de Medicina, 2004, p. S-4). (Por isso, não se estabeleceu a EAR para água.) Entretanto, tanto a ACSM como a NATA acreditam que essa advertência não é suficiente para convencer a população adulta ativa que a ingestão de líquidos – antes, durante e após a prática de exercícios, esportes, trabalhos físico ou em outras situações onde a atividade é maior – é parte importante da regulação da temperatura corporal e manutenção da função cardiovascular.

A desidratação resultante da falta de reposição adequada de líquidos durante o exercício pode causar o comprometimento da dissipação do calor, o que pode elevar a temperatura corporal basal e aumentar o esforço do sistema cardiovascular (Montain & Coyle, 1992; Nadel et al., 1979). A desidratação é uma ameaça em potencial para todos os atletas e entusiastas da atividade física, principalmente para aqueles que não estão aclimatados para realizar atividades extenuantes em ambientes quentes. Para minimizar a possibilidade de exaustão pelo calor e outras formas de doenças provocadas pelo mesmo, especialistas do ACSM e da NATA recomendaram que as perdas hídricas devido à transpiração durante o exercício sejam repostas em quantidades próximas ou iguais à da taxa de sudorese (American College of Sports Medicine, 1996; National Athletic Trainers Association, 2000). Isso é melhor e mais facilmente conseguido se os próprios atletas se pesarem antes e depois de uma sessão de exercícios. A perda de peso indica a presença da desidratação e a necessidade da ingestão de líquidos durante as próximas sessões. O ganho de peso indica que a ingestão deveria ser menor.

Confiar na sede não é um bom conselho, principalmente para pessoas mais velhas que praticam atividade física. Ao envelhecermos, a sede torna-se um indicador deficiente das necessidades corporais de líquidos. De modo mais específico, pessoas mais velhas tem menos sensação de sede como resposta a perdas na volemia paralelas à desidratação (Kenney & Chiu, 2001). Dependendo do grau de desidratação, o idoso apresentará sensação de sede e ingestão de líquidos reduzidos.

Atingindo as Necessidades Diárias de Sódio 

Assim como as necessidades diárias de água, as necessidades diárias de sódio podem variar muito, principalmente para atletas, trabalhadores e soldados – em outras palavras, qualquer pessoa que sue bastante. Para indivíduos sedentários, a principal via de perda de sódio é a urina. Os rins podem conservar sódio se a ingestão desse mineral estiver abaixo das necessidades ou excretá-lo, sempre que a ingestão exceder as necessidades. A segunda possibilidade praticamente retrata o que ocorre com as pessoas sedentárias. Por exemplo, estima-se que o americano comum consuma aproximadamente 8-12 g de sal de cozinha por dia (sal de cozinha – cloreto de sódio – composto por 40% de sódio, portanto, há 3,2 – 4,8 g de sódio em 8-12 g de sal). ). Essa quantidade de ingestão de sódio é aproximadamente 20-30 vezes a quantidade de sódio necessária para repor as perdas obrigatórias pela urina ( ~25 mg/dia), pele (~100 mg/dia) e fezes (~25 mg/dia). O relatório do IM mostra que, em todos os segmentos da população, há uma associaçãoentre o aumento da ingestão de sódio e o aumento da pressão arterial, e que essa relação é a base para a recomendação rigorosa feita pelo painel do IM com relação à ingestão de sódio que será descrita em seguida. Estudos científicos indicam que o consumo reduzido de sal, associado à ingestão aumentada de potássio, pode diminuir o aumento da pressão arterial relacionado à idade.

Semelhante às recomendações para ingestão de fluidos, as diretrizes do IM sobre ingestão diária de sódio não deveriam ser aplicadas à maioria dos atletas, que deveriam ser estimulados a acrescentar sal à dieta livremente e a consumir bebidas esportivas quando estiverem se aclimatando ou se exercitando em ambientes quentes. Se a redução do sódio total na dieta pode ser um conselho seguro para o público sedentário, os atletas têm uma necessidade especial para repor os estoques de sódio perdido. A redução drástica da ingestão de sódio é a última coisa que um jogador de futebol que esteja iniciando um programa de treinamento com duas sessões diárias deveria fazer.

Os atletas precisam de mais sódio porque perdem mais sódio no suor. A média de sódio perdido no suor dos atletas é alta porque muitos atletas têm o suor salgado e outros não. . O suor é mais salgado durante os estágios iniciais do treino e da aclimatação ao calor que quando o atleta está fisicamente condicionado e totalmente aclimatado ao exercício no calor. Há três exemplos de quão alta podem ser as perdas diárias de sódio por atletas.

• Kris é uma triatleta que treina tipicamente por duas horas todos os dias da semana e, no mínimo 4 horas, no sábado ou no domingo. Kris está bem condicionada e bem aclinatada ao calor. Em média, perde 1,5 litros de suor por hora de treino. Por estar condicionada e aclimatada, a concentração de sódio no seu suor é baixo, 30 mmol (690 mg)/litro. Todo dia útil, ela perde 3 litros de suor e 2.000 mg de sódio (5 g de sal; aproximadamente 1 colher de chá). Nos finais de semana, perde, no mínimo, 4.000 mg de sódio (10 g de sal). Considerando-se que acrescenta sal a gosto à dieta e que consome uma bebida esportiva com teor adequado de sódio em vez de água, ela conseguirá atingir as necessidades diárias de sódio.

• Damien joga na defesa de uma equipe de futebol americano como middle linebacker e iniciará um programa de treinamento com duas sessões diárias em agosto. Apesar de exercitar-se regularmente durante o verão, ele faz um outro programa de treinamento nessa época do ano para finalizar seu condicionamento para a temporada. Seu condicionamento físico está acima da média, mas ele não está totalmente aclimatado ao calor. Treina 3,5 h diariamente e costuma perder aproximadamente 6 litros de suor. A “média” da concentração de sódio no seu suor é 50 mmol (1150 mg)/litro. Todos os dias, Damien perderá 6.900 mg de sódio (mais que 17 g de sal). Sua necessidade de ingestão de sal é obviamente muito elevada, mas isso pode ser oferecido pela dieta, se ele salgar suas refeições e consumir alimentos salgados, pobres em gordura (ex.: pretzels, suco de tomate, canja).

• Carrie é apaixonada por condicionamento físico e se exercita por uma hora todos os dias, seja correndo ou lutando kickbox. Ela perde um litro de suor toda vez que se exercita e o suor dela contém 40 mmol (920 mg) de sódio por litro. Em cada exercício, Carrie perde apenas 920 mg de sódio (2,3g de sal). Suas necessidades de sódio podem ser facilmente atingidas pela dieta. Ao aumentar seu grau de condicionamento e de aclimatação, diminuirá a concentração de sódio no suor, mas a taxa de sudorese aumentará; portanto, suas necessidades de sódio dietético talvez permaneçam inalteradas.

Dos três exemplos citados, as recomendações do IM de ingestão de sódio de 2004 só atenderiam as necessidades de Carrie. Recomendações do IM para Ingestão Diária de Sódio e Cloro O relatório do IM estabelece o AI para sal em 3,8 g/dia (1,5 g de sódio e 2,3 g de cloreto) “para balancear as perdas de [sódio no suor] em indivíduos não aclimatados expostos a altas temperaturas ou que tornem-se fisicamente ativos”(Instituto de Medicina, 2004, p. 6-1). O relatório do IM reconhece que pessoas fisicamente ativas têm uma necessidade aumentada de sal: “Esta AI não se aplica a indivíduos muito ativos que perdem grandes quantias de suor diariamente” (Instituto de Medicina, 2004, p. 6-1). Além disso, preconiza-se um nível de UL de 5,8 g de sal (2,3 g de sódio) por dia.

A mensagem prática do relatório do IM é clara: indivíduos sedentários têm um baixo requerimento de sal dietético, enquanto pessoas fisicamente ativas podem necessitar de uma ingestão de sal dietético além dos valores recomendados pelas AI e UL.

Atendendo às Necessidades Diárias de Potássio e Sulfato 

A ingestão adequada de potássio é importante para reduzir a pressão arterial, minimizar os efeitos adversos da ingestão de sal, reduzir o risco de litíase renal e para potencialmente reduzir perda óssea (Instituto de Medicina, 2004, p. S-7). Percebeu-se que o potássio proveniente de frutas e vegetais é desejável porque o potássio encontra-se geralmente ligado ao citrato, que age como um tampão e ajuda a proteger os ossos da desmineralização induzida por ácidos (assim protegendo contra a formação de cálculos renais).

A concentração de potássio no suor raramente ultrapassa 10mmol (390 mg)/litro. . Mesmo nessa faixa, as perdas totais de potássio para os exemplos representados por Kris, Damien e Carrie seriam de 1.200 mg para Kris (em 3 litros de suor), 2.400 mg para Damien (em 6 litros de suor) e 390 mg para Carrie (em um litro de suor), valores abaixo daquele estabelecido pela AI para potássio (v. abaixo). A maioria do potássio no corpo é intracelular e seu teor corporal total é bastante elevado, portanto, o potássio no suor representa apenas uma percentagem relativamente pequena do potássio disponível. Entretanto, não há duvida que o suor aumenta o requerimento dietético de potássio. Por

isso, atletas deveriam ser estimulados a consumir frutas, vegetais e sucos ricos em potássio.

Os requerimentos de sulfato dietético são facilmente atingidos pelo consumo de aminoácidos contendo enxofre. Diferentemente do sódio e do cloro, o suor contém pouco sulfato e não representa uma via significativa de perda de sulfato. Há centenas de compostos contendo enxofre no corpo e a ingestão adequada de sulfato de alimentos protéicos, água e bebidas é recomendada para repor a pequena quantidade perdida na urina e nas fezes.

Recomendações do IM para Ingestão Diária de Potássio e de Sulfato. 

O painel do IM recomendou uma AI de 4,7 g/dia de potássio porque não se definiu nem o EAR e nem a RDA para esse mineral. Nos Estados Unidos e no Canadá, as ingestões típicas de potássio são menores que a AI recomendada, e esforços educativos para ajudar a estimular a ingestão de potássio são necessários para ajudar a aumentar a ingestão de potássio.

Como a dieta típica de americanos e canadenses contém quantidades adequadas e até excessivas de proteína, não havia necessidade de se estabelecer EAR, RDA ou AI para sulfato. Também não se estabeleceu UL para potássio e nem para sulfato. As recomendações reconhecem que pode haver problemas com a ingestão de suplementos muito ricos em potássio, mas as fontes dietéticas apresentam pouco risco para tal (Instituto de Medicina, 2004, p. S-12).

RESUMO 

As recomendações do IM de 2004 representam um aperfeiçoamento necessário e útil das diretrizes de água e eletrólitos para americanos e canadenses. Mas, como já claramente descrito no relatório do IM, as diretrizes de água e cloreto de sódio não se aplicam aos atletas (veja o suplemento deste artigo). A melhor hidratação possível requer a reposição de água e eletrólitos baseados nas necessidades individuais. Pessoas fisicamente ativas que perdem mais que 2 litros de suor por dia deveriam tomar as medidas necessárias para garantir a ingestão de quantias adequadas de água e sal.

Fonte: GSSI (Gatorade Sports Science Institute) Brasil. 

Acesse: www.gssi.com.br

David Homsi – Fisioterapia Esportiva